... descaradamente gamado daqui .
No domingo de Carnaval, a sempre atenta e célere PSP foi a uma feira de livros em saldo, em Braga, e apreendeu os únicos cinco exemplares de um livro chamado “Pornocracia”, que apresentava na capa o famoso quadro oitocentista L´0rigine du Monde, de Gustave Courbet, obra de tal maneira vanguardista, subversiva, e chocante para os nossos tempos, que foi pintada há 143 anos, antes de a PSP – ou de a PIDE, já que estamos nesta - alguma vez terem existido. A conclusão imediata é que, ou a nossa PSP está século e meio atrasada no tempo (que já é dizer muito), ou tem uma forte posição contra a pintura anarquista francesa do século XIX. Suspeito que seja esta segunda hipótese. A situação é tão insólita, que suscita todo o género de perguntas metafísicas. Por exemplo: o que é que agentes estavam a fazer numa feira de livros usados? Não há veículos para autuar; não há trânsito para empatar; não há vinho a martelo. Isto reduz drasticamente o raio de acção da PSP, mas vejamos: o sargento Meireles e o cabo Tavares, durante a ronda, podem ter visto a populaça, que andava por ali a cheirar as bancas; e, como toda a gente sabe, muita gente junta à volta de livros só pode dar sarilho. Foram averiguar, encontraram “Pornocracia”, trocaram impressões, e concluíram que a pintura anarquista francesa da capa não era “apropriada para ser exposta numa feira de livros que estava a ser frequentada por crianças.” Confiscaram os cinco exemplares, menos um que ficou com o sargento Meireles para “mais demoradas averiguações.” Ora, a obra “censurada” pela vigorosa PSP, no interesse da moral e bons costumes, por apresentar “cenas com conteúdo pornográfico”, é um retrato das coxas e da vagina de uma mulher: uma cena apenas, que se enquadra na definição de “nu” e não de “pornográfico”, uma vez que: a) a mulher não se está a tocar b) ninguém está a tocar na mulher c) o canalizador não está a tocar à campainha. Em segundo lugar, o quadro está exposto, há muitos anos, no Museu D’Orsay, em Paris, cidade que recebe 28 milhões de turistas por ano, nove milhões dos quais visitam os museus, incluindo milhares de crianças (no D’Orsay, já agora, para além de Courbet, figuram outros subversivos na lista negra da PSP, como Cézanne, Van Gogh, Munch, Rodin e Manet, que também não perdem por esperar o dia em que o sargento Meireles e o cabo Tavares lá aparecerem para lhes fechar a tasca). Nenhuma destas crianças chora quando vê a pintura anarquista francesa. Nenhum pai lhes tapa os olhos, impedindo-a de ver a “pornografia” de 1866. Mas em Portugal faz-se vingar a lei, e se os agentes acham que Courbet é desapropriado para uma feira do livro em Braga, então assim seja. Vá lá que é Carnaval e ninguém os leva a mal.
No domingo de Carnaval, a sempre atenta e célere PSP foi a uma feira de livros em saldo, em Braga, e apreendeu os únicos cinco exemplares de um livro chamado “Pornocracia”, que apresentava na capa o famoso quadro oitocentista L´0rigine du Monde, de Gustave Courbet, obra de tal maneira vanguardista, subversiva, e chocante para os nossos tempos, que foi pintada há 143 anos, antes de a PSP – ou de a PIDE, já que estamos nesta - alguma vez terem existido. A conclusão imediata é que, ou a nossa PSP está século e meio atrasada no tempo (que já é dizer muito), ou tem uma forte posição contra a pintura anarquista francesa do século XIX. Suspeito que seja esta segunda hipótese. A situação é tão insólita, que suscita todo o género de perguntas metafísicas. Por exemplo: o que é que agentes estavam a fazer numa feira de livros usados? Não há veículos para autuar; não há trânsito para empatar; não há vinho a martelo. Isto reduz drasticamente o raio de acção da PSP, mas vejamos: o sargento Meireles e o cabo Tavares, durante a ronda, podem ter visto a populaça, que andava por ali a cheirar as bancas; e, como toda a gente sabe, muita gente junta à volta de livros só pode dar sarilho. Foram averiguar, encontraram “Pornocracia”, trocaram impressões, e concluíram que a pintura anarquista francesa da capa não era “apropriada para ser exposta numa feira de livros que estava a ser frequentada por crianças.” Confiscaram os cinco exemplares, menos um que ficou com o sargento Meireles para “mais demoradas averiguações.” Ora, a obra “censurada” pela vigorosa PSP, no interesse da moral e bons costumes, por apresentar “cenas com conteúdo pornográfico”, é um retrato das coxas e da vagina de uma mulher: uma cena apenas, que se enquadra na definição de “nu” e não de “pornográfico”, uma vez que: a) a mulher não se está a tocar b) ninguém está a tocar na mulher c) o canalizador não está a tocar à campainha. Em segundo lugar, o quadro está exposto, há muitos anos, no Museu D’Orsay, em Paris, cidade que recebe 28 milhões de turistas por ano, nove milhões dos quais visitam os museus, incluindo milhares de crianças (no D’Orsay, já agora, para além de Courbet, figuram outros subversivos na lista negra da PSP, como Cézanne, Van Gogh, Munch, Rodin e Manet, que também não perdem por esperar o dia em que o sargento Meireles e o cabo Tavares lá aparecerem para lhes fechar a tasca). Nenhuma destas crianças chora quando vê a pintura anarquista francesa. Nenhum pai lhes tapa os olhos, impedindo-a de ver a “pornografia” de 1866. Mas em Portugal faz-se vingar a lei, e se os agentes acham que Courbet é desapropriado para uma feira do livro em Braga, então assim seja. Vá lá que é Carnaval e ninguém os leva a mal.
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